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Ep. 49 Cristiana Bastos – Espólio do Hospital do Desterro guarda coleção de representações em cera de doenças venéreas

January 27, 2017

ep049_interiorEntre livros, registos clínicos e instrumentos médicos, o espólio do antigo Hospital do Desterro em Lisboa, guarda uma vasta coleção de representações em cera de doenças sexualmente transmissíveis. Estas representações seriam usadas por médicos e estudantes de Medicina no processo de diagnóstico das doenças.


Cristiana Bastos, antropóloga do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, analisou este espólio com o objetivo de o preservar e de caracterizar a história social da população envolvente a este Hospital nos primórdios da república portuguesa, entre os finais do século XIX e os inícios do século XX.

Entre uma vasta coleção de livros e material médico, as moldagens em cera chamaram a atenção de Cristiana Bastos. “O espólio é muito amplo contém livros, registos clínicos, objectos usados na clínica, objectos usados no diagnóstico, revistas científicas, etc. É muita coisa mas o que me interessa para esta questão da representação é um conjunto de moldagens de cera”, refere.

Estas moldagens eram feitas sobre uma lesão, um braço, um rosto, ou um órgão genital, imortalizando a história das patologias e da clínica. “Tentar representar coisas que não são propriamente muito belas, não são pétalas de flor, são feridas, feridas abertas, gomas sifilíticas, etc.; mas, tal como fazer pétalas de flor ou borboletas, exigem uma técnica muito sofisticada, também estes o exigiam. Não basta ser cientista, ser clínico, ser conhecedor daquelas doenças para conseguir representá-las assim. Aqui cruza arte e conhecimento.”

Para a antropóloga, o estudo destas moldagens é também importante para a investigação futura destas doenças: “Neste campo de epidemias e doenças transmissíveis, quanto mais conhecemos sobre como as coisas foram abordadas, tratadas, geridas, em circunstâncias históricas determinadas, mais estamos equipados para poder tomar decisões no presente e no futuro.”

A origem e a história social dos pacientes que frequentavam o Hospital do Desterro foi também uma das descobertas deste projeto: “Pelas moradas que captávamos das pessoas que iam lá parar tanto à consulta de moléstias infeciosas, como à hospitalização, percebemos que havia uma grande concentração de gente de um conjunto urbano que hoje já não existe, pois foi destruído para abrir o espaço que agora ocupa o Martim Moniz.”

“Era um lugar de mais baixa renda, condições mais precárias, trabalhadores do sexo e prostitutas com menos condições e que estavam mais à mão da polícia sanitária. Elas tinham que se registar junto da polícia sanitária, onde tinham que se apresentar para a inspeção semanal, que antes de existir a penicilina era uma das formas usadas para promover a saúde pública. Quando eram encontrados sintomas de doença, elas eram internadas/encarceradas à força em duas enfermarias prisão, que ali funcionavam na altura”, conta.

Este projeto deu origem a um livro sobre a Coleção Dermatológica do Desterro, da autoria de Cristiana Bastos, com o título “Clínica, Arte e Sociedade: A Sífilis no Hospital do Desterro e na Saúde Pública”.

Saiba mais sobre a investigadora em: LinkedIn | ResearchGate | ICS

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