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Ep. 25 Eugénia Cunha – As histórias contadas pelos 206 ossos do esqueleto humano

December 26, 2016

ep025_interiorEm Coimbra está a ser elaborada uma coleção de esqueletos do séc. XXI de pessoas cujos corpos não foram reclamados pela família, com o objetivo de os estudar.​


Eugénia Cunha, investigadora do Laboratório de Antropologia Forense (LFA) da Universidade de Coimbra, lidera os grupos de trabalho responsáveis por dar a conhecer as histórias guardadas nos ossos das vítimas de homicídio, de grandes desastres, de crimes contra a humanidade, ou de pessoas cuja identidade ainda não foi apurada.  

“Estamos a construir uma coleção de esqueletos identificados de pessoas que morreram, mas cujos corpos não são reclamados pelas famílias. Em vez de irem para uma vala comum ou de serem destruídos num cemitério, pertencem à nossa coleção do séc. XXI. Recorremos a esta coleção para testar novas metodologias de identificação de restos mortais”, conta.

Neste momento, o laboratório de Eugénia Cunha conta com três projetos em desenvolvimento nas áreas da ancestralidade, envelhecimento ósseo e resistência ao fogo. “Um dos projetos tem a ver com a ancestralidade, desenvolvemos até um software que se chama AncesTrees, onde conseguimos quantificar a variação da face, e depois dizemos em percentagem qual a probabilidade da pessoa pertencer à Europa, à Ásia ou a África.”

“Além da ancestralidade tentamos perceber melhor como é que se processa o envelhecimento do esqueleto. Esta coleção tem muitos indivíduos idosos, e ao sabermos a idade com que a pessoa morreu, podemos retirar dados para no futuro ao identificar-mos um esqueleto, saber se a pessoa morreu com 70, 80, 90, ou 100 anos.”

“Por fim, outro grande projeto tem a ver com os ossos queimados. Perceber o que acontece aos ossos à medida que a temperatura e o tempo de combustão aumenta, de modo a poder fazer o raciocínio inverso, ou seja, por exemplo quando encontramos um corpo nos destroços do World Trace Center em que ficaram queimados, podemos saber que se esse osso tem estas particularidades, isto significa que sofreu um processo de combustão a mais de 800 graus, por exemplo.” Perceber também até que temperaturas ainda é possível recuperar material genético dos ossos é também um dos objetivos deste projeto.

Antropologia forense, a última defesa das vítimas de crimes contra a humanidade

Segundo Eugénia Cunha, a antropologia forense pode ajudar na resolução de um crime contra a humanidade pois os antropólogos forenses que participam, por exemplo, na escavação de uma vala comum, são os peritos mais bem posicionados para a recolha dos restos humanos. Conhecer bem cada um dos 206 ossos do esqueleto humano permite decifrar a história que cada um deles guarda: “Cada um desses ossos contam uma história e portanto nós temos de saber identificá-los.”

“Uma vez individualizados os corpos conseguimos devolver a identidade a cada um desses indivíduos através de um processo em que vemos o diagnóstico sexual, a estimativa da idade, a origem geográfica, a estatura, e outros factores de identidade, que depois são comparados com os dados dos desaparecidos”, explica.

Os antropólogos forenses conseguem identificar nos ossos marcas correspondentes a crimes como o homicídio ou a tortura e assim comprovar se uma morte ocorreu por violação dos direitos humanos, ou não. “Fazemos documentação de violação dos direitos humanos e conseguimos ver se houve ou não homicídio. No caso dos crimes contra a humanidade, sabemos se foi uma execução ou não. E  porquê? Porque os ossos gravam as lesões traumáticas e nós conseguimos dizer, por exemplo, se um projéctil entrou na parte posterior do occipital, que se situa na base do crânio, e saiu pelo frontal, é muito provável que seja homícidio porque era impossível ser a própria pessoa a fazê-lo.”

A investigadora afima ainda que é possível identificar lesões causadas antes da morte, e a idade que a pessoa tinha quando estas ocorreram. “Se a cronologia dessas lesões coincidir com o período em que a pessoa esteve sob custódia, se a pessoa esteve presa e foi torturada, essas marcas de tortura podem ficar nos ossos e se nós conseguimos estimar o intervalo de tempo em que essa lesão aconteceu.”

Saiba mais sobre a investigadora em: LinkedInResearchGate | LFA | U. Coimbra

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